sexta-feira, 13 de março de 2009

Indiferença dos Astros



A noite estava estrelada. Como de costume, ela passou em casa para irmos à escola. Achei estranho pois ela chegou mais cedo do que do que o habitual, mas eu não disse nada pois já estava preparado prá ir. Era muito agradável a ida a pé, do bairro do Socorro para a Presidente Vargas, pois o caminho era muito bonito. Passávamos por três lindas praças e isso tornava nossa ida a escola um grande prazer. Fomos caminhando e conversando sobre as novidades e as futilidades do colégio. Então reparei que algo estava errado. Estávamos passando pela Praça Francisca de C. Melo Freire, hoje mais conhecida como “Praça dos Enfartados”. Ela sorria mas o olhar era triste...

- O que há com você minha amiga ?

- Você já ouviu a nova música da Legião Urbana ?

Isso era típico dela. Quando não estava bem respondia minhas perguntas com outras perguntas...

- Pais e Filhos ?

- Sim !

- Porquê ?

- Tadeu, o que ele quis dizer com “grande fúria do mundo” ?

- “Grande fúria do mundo” ?

- É !

- Er... Bem... Eu acho que quer dizer... deixa eu pensar um pouco...

Meu Deus... a música acabara de ser lançada e ela me pergunta o que quer dizer “grande fúria do mundo”... isso só por que eu perguntei se ela estava bem... acho que não devia ter perguntado... Fomos caminhando em silêncio até a Praça Norival G. Tavares, a famosa “Flor de Mogi”. Muitos casais estavam namorando sob as copas das enormes árvores.

- Ai amiga, eu não sei te responder... acho que tem a ver com todas as coisas que acontecem no mundo ao mesmo tempo, as quais não temos controle...

Então ela me entregou uma folha manuscrita:

"O SONHO"

I

E parecia tão bonito;

era o sonho, um ideal, quase a vida.
Tanto tempo se nutrindo de um sonho,
quase irrealizável, inatingível... quase !
Aí a impressão da força, do poder;

posses, conquistas, ruas desconhecidas.
Então, a consumação:

Solidez perante o tato;
luz perante a visão;
sinfonia perante a audição.

E o sonho não era mais sonho, era fato.
Quente, concreto, presente... meu...
Meu sonho !


II

Ele estava ali comigo.
Forte, eu o tinha;
Forte, eu o detinha.

Mostrei meu sonho ao mundo,
mostrei meu mundo ao sonho.
Eles se amaram e, talvez, se odiaram.
A junção foi inevitável.
O resultado, o esperado, efervescência !
Eu, meu sonho, meu mundo... o mundo.
E o sonho não era mais sonho, era pesadelo.
Frio, forte, sóbrio... meu...
Meu pesadelo...”




- Você escreveu isso amiga ?

- Sim.

- Por quê ?

Nesse momento ela começou a chorar... eu simplesmente não sabia o que dizer. A peguei pelo braço e a convidei a sentar num dos bancos da praça. Enquanto ela chorava baixinho ali do meu lado, eu lembrei de algo que alguém havia escrito na última folha de um dos meus cadernos:

"Ela estava alí, como sempre.
Brilhavam seus olhos; lágrimas...
Eu não queria vê-la assim,
embora a visse.
Ela postava-se calada,
a não ser, apenas, por um soluçar.
Seus cabelos pulavam ao vento,
e voavam sem poder se soltar.
Seu manto, empoeirado, a cobria;
e sua face demonstrava dor.
Eu não podia fazer nada.

Será que não ?
Se caso eu sorrisse, e daí ?
Com certeza ajudaria.
Se acaso chorasse ?
Com certeza ajudaria.

O importante é saber
que qualquer gesto meu
a faria feliz, melhor.
Mas, nada fiz”


Então ela começou a me contar como havia encontrado seu noivo, no dia anterior, aos beijos com uma outra moça. Ela me disse que foi tão flagrante que não houve espaço para explicações. Quando ela terminou o relato, olhou no relógio.

- Tadeu, vamos perder a hora !!!

Me puxou e fomos quase correndo para a escola. Passamos pela Praça Antônio Nogueira, em frente ao Cemitério da Saudade. Chegamos à escola bem no momento que tocou o sinal. Em frente da porta de sua classe, ela me deu um beijo no rosto e um abraço carinhoso.

- Me espera na saída viu Tadeu !!!

- Ok !

Não conseguia me concentrar na aula. Não a encontrei no intervalo. Fiquei preocupado. Na saída ela estava me esperando sentada no palco. Fomos saindo junto a um grupo de amigos. Em frente à escola, do outro lado da rua, um rapaz de moto a aguardava. Olhei para ela e seu rosto havia perdido a cor. A emoção era impossível de esconder.

- O que faço Tadeu ?

- Siga seu coração amiga.

Ela ficou alguns instantes olhando aquele rapaz com expressão de cão sem dono. O tempo parou. Então ela pegou no meu braço e disse:

- Vamos embora !

No meu íntimo já sabia que ela não iria o perdoar. Eu a conhecia o suficiente prá saber disso. Ela era de Sagitário, signo regido pelo fogo. Era quase impossível que ela o perdoasse... e assim foi. Eu a levei para casa. Ela sorria mas seus olhos estavam úmidos. Lá no céu resplandeciam estrelas e corpos celestes que eram indiferentes a todas nossas preocupações e nossos dramas...

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