sábado, 21 de março de 2009

Noite do Eclipse



Numa aula que foi vaga devido à falta de professor, eu encontrei com a Nani no corredor...

- Oi Dinho !

- Olá Nani !!!

- Tudo jóia ?

- Tudo !!!

- Por que você me chama de Dinho amiga ?

- Não posso te dizer... kkk...

- É alguma coisa relacionada com o diminutivo de Cláudio ?

- Não e não... nada a ver com Claudinho... kkk...

- Está bem então... talvez seja melhor assim... kkk...

- Ah, eu tenho três textos que separei prá você !

- Foi você que escreveu ?

- Um sim, mas NUNCA vou te dizer qual foi... kkk...

- Sem problema. É só eu ler que eu descubro !

- Então aqui estão !

Ela abriu sua mochila e destacou três folhas em seqüencia de um de seus cadernos. Eu peguei as folhas e, quando ia começar a ler, a Nani me puxou pelo braço e disse prá irmos sentar próximo da quadra, numa espécie de banco de concreto onde tínhamos uma boa visão da área de esportes. A pouca iluminação deixava o lugar com um ar sobrenatural. Muitos casais gostavam de namorar ali. Sentamos lado a lado e eu comecei a leitura. Fui lendo em voz baixa e furtivamente observava as expressões que se estampavam no belo rosto da Nani.

APELO A CORRESPONDÊNCIA

"Um bom dia, tarde ou noite.
Perdi há muito a noção do tempo.
O tempo passou e eu nem percebi.
Percebi os sentidos da vida,
e a vida parou para mim.
Que mês será em que estou ?
Um, dois ou mais adiantados
ou atrasados ao verdadeiro ?
Estou tão confuso que não sei
ao menos quem realmente sou.
Acho que mudei demais.
Devo ter-me tornado um chato.
Uma moça jovem, muito velha.
Que critica e esquece
os poucos minutos
que restam na vida.
Vida. Oh vida.
Por que faz do mundo
um brinquedo ?
É tão difícil encontrar bons amigos
E pouco a pouco os vamos perdendo.
E você,
o que faz para consertar isso ?
Oras, tome uma atitude !
Lembre-se de mim, escreva agora
e falaremos a respeito."

- O que você achou Dinho ???

- Fiquei com vontade de tomar uma pinga ali no bar... kkk...

- Ah, seu patife !!! kkk...

- Nani, você fala no masculino e no feminino. É normal isso ?

- É um estilo... mas não me recordo o nome desse estilo !

- Ok, amei esse ! Vou para o próximo...

? COMO EXPRESSAR ?

"Palavras que não conheço.
Verbos que me maldizem,
sonhos que são pesadelos,
amores que não amam.
As palavras afirmam um sim,
os verbos ressoam melhor
e atuam pior na compreensão.
Os sonhos induzem a realidade.
Judiá-nos por não os ser.
Os amores, a ilusão alimenta
e nos faz sofrer a vida toda.
As palavras perdoam e culpam
graças a confusão verbal.
Os sonhos predizem o amanhã
e nos faz, no amor, viver o ontem.
Nos sonhos ouvimos palavras;
e bendito verbo, sempre "AMAR".
E as palavras, sempre em vão,
dizem muito mas não conseguem,
nunca, se expressar."

- NNNNOOOOSSSSAAA !!!!

- Que foi Dinho, quer ir tomar uma com limão ? kkk...

- Esse eu adorei amiga !!!

- Que bom !

- Você não acha que sofrer a vida toda é muito tempo Nani ?

- É só uma maneira de se expressar amiguinho...

- Vou ler o próximo, tá ?

- Está bem...

PESSIMISMO

“Sonhei, um dia, que amava.
Sonhei que tudo era paz;
que tudo era amor, amor.
Sorria a todos, sorria feliz.
Contava histórias, cantava a vida;
mas tudo foi um sonho.
Um sonho bom e irreal, um sonho.
Tudo trouxe momentos lindos
e tudo gerou um todo
que me preencheu de conhecimentos.
Sonhei novamente
que era belo e valente
e fui covarde e hostil.
Sonhei que morria enforcado
e fui pior castigado.
Vivo !
Vivo !
E vivo estou acordado.
E fui... ou melhor,
o que se há de fazer ?”

- KKK...

- Porque está rindo Dinho ? kkk...

- O poema acaba de repente !

- Foi de propósito ! Na verdade eu ia prosseguir naquele marasmo de “e fui covarde e hostil...” mas achei desnecessário continuar... kkk...

- E essa estória de ser enforcado ?

- Sonhei com isso mesmo amigo... kkk...

- Você escreveu o sonho no masculino ?

- É que no meu sonho eu era homem... kkk...

- KKK!!!...

- Agora eu quero ver o que você escreveu Dinho. Posso ?

- Tá, mas agora é você que vai ler pois eu já li os seus.

HORA VINTE E CINCO

“Este é o poema mais apaixonado
que já escrevi em toda minha vida.
É para uma pessoa de rosto aveludado
e olhar jovial a quem entreguei,
deliciosamente, meu coração.
É para alguém de sorriso sábio e infantil
que me faz ter sentido essa vida.

Este é um poema para alguém
que amo tão intensamente
que poderia colocar o infinito num frasco
só para lhe dar de presente,
ou poderia andar milhares de léguas
em busca das mais lindas rosas
para lhe fazer uma guirlanda
e lhe coroar soberana do meu ser.

São linhas para alguém que transforma
o lixo de uns em matéria prima
dos seus sonhos e que,
talvez, eu nunca mais veja
mas que sempre estará aqui dentro de mim.

Estas são as palavras de um ser
de bem consigo mesmo
por ter tido a oportunidade
de experimentar o mais puro
e cristalino amor,

coisa que poucos seres
tem o privilégio de viver.

São palavras de alguém que ama tanto
que nem sabe como explicar...

Olhando um botão de rosa
meus olhos umedecem
pois as flores e o perfume
são quase sua presença;
tenho-lhe em meus pensamentos
a cada segundo do dia,
assim como habitas meus sonhos à noite
e se caso a vigésima quinta hora existisse,
também seria dedicada a você...”

- Meu Deus Dinho, ADOREI esse poema !!! Aquilo que você falou sobre uma guirlanda eu achei sensacional !

- Legal !

- Foi pensando “nela” que você o escreveu ?

- Sim amiga...

- Ela te fez sofrer, né Dinho...

- Ah, mas isso já passou e eu já a perdoei. Está tudo bem.

- Que bom ! Posso ler o próximo ?

- Vá em frente !

MEUS BONS AMIGOS

“Vivo no mundo da lua,
entre liteiras e carruagens,
princesas, reis e guirlandas
(de rosas ou flores do campo).
Posso morrer de fome.
Posso ser totalmente esquecido.
Mas meus sentimentos
materializados na forma destas linhas
ficarão até que toquem as trombetas
dos arcanjos do céu
enquanto houver um estouvado
que guarde essas palavras emotivas
assim como eu guardei as palavras
de tantos outros julgados bufões.

Pessoas assim são muito sozinhas
mas não me embriago por isso;
as coisas espontâneas
são mais importantes
e se você, que tanto amei,
foi embora sem se despedir,
paciência... pois arranco
a solidão do peito,
com as próprias mãos da alma
e em seu lugar, coloco meus poucos
e bons amigos
pois o importante não é a quantidade,
o importante é a intensidade.”

- Gostou Nani ?

- Gostei muito !!! É um tema falando sobre amizade, né, como o “Apelo a Correspondência”.

- Sim !

- Não vai me dizer que esse também foi feito inspirado “nela”.

- Infelizmente essa é a verdade.

- Não teve mais notícias dela ?

- Acho que nunca mais terei...

- Você se sente sozinho Dinho ?

- Ultimamente sim Nani... mas, como já dizia um grande filósofo contemporâneo, “quem com ferro fere, seus males espanta...” kkk...

- Mas... o que isso tem a ver com o assunto ?!?!

- Nada... kkk...

- KKK...

- Veja o último amiga !

- Ok !!!

DRAGÃO INDOMÁVEL

“É estranho estar na metrópole
onde cada metro quadrado vale uma fortuna.
As pessoas passam todas apressadas
e ninguém para e observa nenhum detalhe.
As coisas são monstruosas
e o odor que sai dos veículos é fétido,
mas, aparentemente, ninguém percebe.

Homens vociferam impropérios
com naturalidade
e lindas mulheres
passam diante de mendigos

como se eles não existissem;
como se elas tivessem tomado vacina
contra miséria.

Você é um imenso dragão, metrópole,
onde suas várias bocas
cospem labaredas para o ar
e seu coração bombeia para toda a cidade
um sangue nauseabundo
através de avenidas,
rios transformados em esgotos
e colossais serpentes petrificadas
transfiguradas em viadutos.

A solitária ambulância tocando a sirene,
presa no congestionamento da marginal
é atestado incontestável
do reflexo da indiferença
e do preço do progresso.”

- Esse não foi pensando “nela”... kkk...

- Claro que não Nani !

- Achei legal a parte que fala sobre vacina contra miséria !

Bem no instante que eu ia responder, tocou o sinal. Pegamos nossas mochilas, nos levantamos, e fomos caminhando para a classe. No meio do caminho topamos com toda escola saindo ! A turma nos explicou que havia acontecido o inconcebível: uma junta de alunos foi conversar com o diretor e pedir para a escola liberar os mesmos para que esses pudessem ver o eclipse lunar que estava prá acontecer a poucos minutos e, por incrível que pareça, toda a direção do colégio concordou ! Eu e a Nani demos meia volta em direção a quadra e nos deitamos, usando nossas mochilas como apoio de cabeça. Logo todo esse espaço foi sendo tomado por uma dezena de alunos que iam chegando. O belo disco dourado que estava no firmamento logo começou a ser “engolido” pela sombra da terra. Pude reparar que os professores também se aconchegavam junto de nós. Eles faziam comentários de acordo com a disciplina que ensinavam. A professora de matemática explicava que, por causa do Sol ser 400 vezes mais distante que a Terra, no caso de um eclipse solar, a sombra da Lua ficava exatamente do tamanho do nosso planeta. A professora de história falava de todas implicações geradas na antiguidade, nas épocas de eclipses, com suas guerras e quedas de impérios. O professor de eletrotécnica argumentava sobre todos efeitos magnéticos que ocorriam nesses acasalamentos de rotas de corpos celestes. E assim todos mestres discorriam de maneira personalizada sobre o belo espetáculo que ocorria lá entre as estrelas.

- Nani... Nani...

- Quê Dinho ?

- Por que você me chama de Dinho ?

- Já disse que não vou te falar !

- Me diga pelo menos qual dos poemas você escreveu ?

- Não, não e não !!!

Era incrível ver todas aquelas pessoas e professores deitados ali naquela quadra de esportes recebendo um banho de prata que vinha do céu ! Quando o eclipse terminou a lua voltou a ficar com seu brilho normal e fomos nos levantando prá irmos embora. Acabamos saindo um pouco mais cedo.

- Vamos comigo até o ponto Dinho ?

- Claro amiga... claro...

A Nani costumava pegar o Itaim na praça do Coronel de Almeida, que fica em frente da nossa bela catedral, igreja essa que eu admirava pela arquitetura e pelos seus belíssimos vitrais coloridos. Nos aconchegamos em um dos bancos e ficamos conversando e esperando o ônibus.

- Posso escrever uma coisa na sua mão Dinho ?

- Claro amiga !

- Mas só pode olhar depois que eu for embora, tá ?

- Concordo... mas também quero escrever uma coisa em sua mão...

- Ok !

Então escrevemos algo um na mão do outro. Logo chegou o ônibus e ela subiu depois de me dar um beijo no rosto. Me deu tchau com a mão e eu vi um brilho diferente nos olhos dela nesse instante... nessa pequena fração de segundo. Como a Nani tinha o hábito de escrever pequenas frases em guardanapos descartáveis, quanto íamos com a patota nas lanchonetes, eu havia escrito em sua mão:

- O lixo de uns é a matéria prima dos seus sonhos !

Como a Nani já havia ido embora, eu me levantei e coloquei a mochila nas costas. Abri a mão direita e li o que minha amiga havia escrito:

- O tempo que a gente gosta de perder não é um tempo perdido !

Eu estava passando ao lado de majestosa catedral e já não via a hora de encontrar de novo com a Nani prá continuarmos nossos diálogos...

sexta-feira, 13 de março de 2009

Indiferença dos Astros



A noite estava estrelada. Como de costume, ela passou em casa para irmos à escola. Achei estranho pois ela chegou mais cedo do que do que o habitual, mas eu não disse nada pois já estava preparado prá ir. Era muito agradável a ida a pé, do bairro do Socorro para a Presidente Vargas, pois o caminho era muito bonito. Passávamos por três lindas praças e isso tornava nossa ida a escola um grande prazer. Fomos caminhando e conversando sobre as novidades e as futilidades do colégio. Então reparei que algo estava errado. Estávamos passando pela Praça Francisca de C. Melo Freire, hoje mais conhecida como “Praça dos Enfartados”. Ela sorria mas o olhar era triste...

- O que há com você minha amiga ?

- Você já ouviu a nova música da Legião Urbana ?

Isso era típico dela. Quando não estava bem respondia minhas perguntas com outras perguntas...

- Pais e Filhos ?

- Sim !

- Porquê ?

- Tadeu, o que ele quis dizer com “grande fúria do mundo” ?

- “Grande fúria do mundo” ?

- É !

- Er... Bem... Eu acho que quer dizer... deixa eu pensar um pouco...

Meu Deus... a música acabara de ser lançada e ela me pergunta o que quer dizer “grande fúria do mundo”... isso só por que eu perguntei se ela estava bem... acho que não devia ter perguntado... Fomos caminhando em silêncio até a Praça Norival G. Tavares, a famosa “Flor de Mogi”. Muitos casais estavam namorando sob as copas das enormes árvores.

- Ai amiga, eu não sei te responder... acho que tem a ver com todas as coisas que acontecem no mundo ao mesmo tempo, as quais não temos controle...

Então ela me entregou uma folha manuscrita:

"O SONHO"

I

E parecia tão bonito;

era o sonho, um ideal, quase a vida.
Tanto tempo se nutrindo de um sonho,
quase irrealizável, inatingível... quase !
Aí a impressão da força, do poder;

posses, conquistas, ruas desconhecidas.
Então, a consumação:

Solidez perante o tato;
luz perante a visão;
sinfonia perante a audição.

E o sonho não era mais sonho, era fato.
Quente, concreto, presente... meu...
Meu sonho !


II

Ele estava ali comigo.
Forte, eu o tinha;
Forte, eu o detinha.

Mostrei meu sonho ao mundo,
mostrei meu mundo ao sonho.
Eles se amaram e, talvez, se odiaram.
A junção foi inevitável.
O resultado, o esperado, efervescência !
Eu, meu sonho, meu mundo... o mundo.
E o sonho não era mais sonho, era pesadelo.
Frio, forte, sóbrio... meu...
Meu pesadelo...”




- Você escreveu isso amiga ?

- Sim.

- Por quê ?

Nesse momento ela começou a chorar... eu simplesmente não sabia o que dizer. A peguei pelo braço e a convidei a sentar num dos bancos da praça. Enquanto ela chorava baixinho ali do meu lado, eu lembrei de algo que alguém havia escrito na última folha de um dos meus cadernos:

"Ela estava alí, como sempre.
Brilhavam seus olhos; lágrimas...
Eu não queria vê-la assim,
embora a visse.
Ela postava-se calada,
a não ser, apenas, por um soluçar.
Seus cabelos pulavam ao vento,
e voavam sem poder se soltar.
Seu manto, empoeirado, a cobria;
e sua face demonstrava dor.
Eu não podia fazer nada.

Será que não ?
Se caso eu sorrisse, e daí ?
Com certeza ajudaria.
Se acaso chorasse ?
Com certeza ajudaria.

O importante é saber
que qualquer gesto meu
a faria feliz, melhor.
Mas, nada fiz”


Então ela começou a me contar como havia encontrado seu noivo, no dia anterior, aos beijos com uma outra moça. Ela me disse que foi tão flagrante que não houve espaço para explicações. Quando ela terminou o relato, olhou no relógio.

- Tadeu, vamos perder a hora !!!

Me puxou e fomos quase correndo para a escola. Passamos pela Praça Antônio Nogueira, em frente ao Cemitério da Saudade. Chegamos à escola bem no momento que tocou o sinal. Em frente da porta de sua classe, ela me deu um beijo no rosto e um abraço carinhoso.

- Me espera na saída viu Tadeu !!!

- Ok !

Não conseguia me concentrar na aula. Não a encontrei no intervalo. Fiquei preocupado. Na saída ela estava me esperando sentada no palco. Fomos saindo junto a um grupo de amigos. Em frente à escola, do outro lado da rua, um rapaz de moto a aguardava. Olhei para ela e seu rosto havia perdido a cor. A emoção era impossível de esconder.

- O que faço Tadeu ?

- Siga seu coração amiga.

Ela ficou alguns instantes olhando aquele rapaz com expressão de cão sem dono. O tempo parou. Então ela pegou no meu braço e disse:

- Vamos embora !

No meu íntimo já sabia que ela não iria o perdoar. Eu a conhecia o suficiente prá saber disso. Ela era de Sagitário, signo regido pelo fogo. Era quase impossível que ela o perdoasse... e assim foi. Eu a levei para casa. Ela sorria mas seus olhos estavam úmidos. Lá no céu resplandeciam estrelas e corpos celestes que eram indiferentes a todas nossas preocupações e nossos dramas...

sexta-feira, 6 de março de 2009

O que os Gatos pensavam a Meu respeito ?



SONHO - “Eu estava diante de dois gatos. O felino que estava a minha esquerda era tão bonito e diferente que o outro tornara-se “invisível” , tipo quando você vê uma pessoa que te interessa no meio da multidão e os outros que estão em volta ficam como que apagados... desbotados. Achei tão lindo aquele bichano que pensei que seria uma boa idéia fotografá-lo. Peguei a câmera digital que se encontrava na mochila que estava em minhas costas e me agachei para achar um foco melhor para tirar a foto. O gato era o animal mais lindo que eu já havia visto ! Ele tinha um pelo grande e branco com tons esverdeados... nunca havia visto nada parecido. Quando ele notou que eu iria focalizá-lo com a lente da minha máquina ele se levantou devagar e tentou fugir de mansinho. Eu passei a mão em sua cabeça como tentando convencê-lo a ficar mas ele estava determinado a ir. Todos que tem gatos sabem como são esses seres... quando eles não querem fazer algo é melhor não forçar pois são muito temperamentais. Então eu o deixei ir e comecei a reparar no gato da direita. Não era feio mas era desses tipos de gatos que vivem na rua e nós os vemos as dezenas por aí. Logo notei que esse segundo gato tinha um caráter diferente do outro. Ele ficou sentadinho na minha frente e me olhava nos olhos enquanto ficava balançando lentamente a cauda como uma serpente. Tinha a impressão que ele aguardava algum tipo de instrução, como um ser domesticado. Quando me aproximei um pouco mais, notei, para meu espanto, que ele tinha um pequeno zíper que começava no meio do pescoço e terminava no fim da barriga. Quando abri lentamente aquele zíper pude notar, então, que ele tinha um tipo de uma bolsa, como as mamães canguru, no interior de seu corpo. Lá haviam os seguintes objetos: duas garrafinhas de água mineral, um pacote de bolacha doce e um macinho de dinheiro enrolado com notas diversas. No meio das notas haviam algumas moedas. Depois de olhar, perplexo, para esses itens eu tentei colocá-los no interior do gato mas ele reclamou com um pequeno miado que as coisas deveriam ser colocadas na mesma ordem e organização e em que estavam inicialmente. Assim eu fiz e fechei o zíper com cuidado e ele se foi mas... quando percebi que o dinheiro ficou comigo já era tarde: o pobrezinho já havia ido. Então acordei com essa frase na mente:

- Esse dinheiro não é meu. Preciso encontrar o dono !"


04.03.2009

domingo, 1 de março de 2009

Mistério e Luar

Durante o intervalo Ensino Médio, a encontrei, como acontecia todas as noites.

- Tadeu, você já montou seu acervo de poesias ?


- Estou montando a pasta, amiga. Você tem algum texto que eu possa anexar ?

- Tenho só um.

- Está com você ?

- Sim !

Estava uma baderna na escola. Muito barulho, paqueras e som de cantorias e violão. Mas o que esperar de jovens cheios de energia e esperança ? Tudo isso era muito natural para nós. Sentamos no palco de concreto e ela me entregou a folha com o poema e eu li rapidamente.

- Gostou Tadeu ?

- Adorei amiga !!! Posso colocar junto das outras ?

- Tá ok ! Mas me mostre no sábado !!!

- Posso perguntar uma coisa ?

- Claro !

- Você estava meio revoltada quando escreveu isso aqui, né ? kkk

- kkkk...

Eu já havia começado a montar a pasta com meus poemas e de meus amigos. Os primeiros já estavam prontos com as montagens que eu fazia, dos textos com imagens. Fiquei pensando em uma figura que ilustrasse o poema da minha amiga e logo me veio em mente a foto que tem no encarte do disco da Legião Urbana “Dois”. Aquela foto do casal, de costas, andando na praia, me parecia muito adequada. Então preparei a imagem e coloquei o texto sobre ela. Ficou muito bonito. Anexei na pasta.

No sábado a tarde ela veio em casa, como combinado. Sentamos no sofá e começamos a ver as poesias que eu coloquei naquela pasta preta, com plásticos para folhas A4. O primeiro era meu.

Utopia

"É difícil explicar o que senti
quando observei o fulgor em seus olhos,
que expressam mais mistérios que o infinito:
Era como se ouvisse o silêncio
criando as trevas com a luz
e o silêncio com os sons.
Tentei abraçar os raios do Sol
imaginando seu corpo.
O sinuoso navegar das folhas de uma árvore
no ar em movimento
lembram-me seus cabelos ao vento.
Qualquer brilho lembra seu olhar.
Fiquei perdido
pois antes achava
que a perfeição
era uma utopia."


- Esse eu escrevi prá você...

Ela ficou constrangida quando eu disse aquilo pois o poema era praticamente uma declaração de amor. Seu rosto enrubesceu, destacando ainda mais seus olhos verdes e seus cabelos castanhos. Ficou um clima estranho. Silêncio... então eu disse prá ela continuar vendo. Logo chegamos no poema que ela havia feito.


“A obscuridade, o prazer
a felicidade, a sofreguidão;
os amigos, as infidelidades;
o amor, o ódio.

Sentimentos que caminham lado a lado
em algum ser que está por aí,
em dúvida em relação ao mundo.

Revoltado por natureza,
triste por sofreguidão,
insensível por necessidade,
tentando decifrar os mistérios do mundo;
mas como ????
se nem o seu próprio mistério
ele decifrou.”


No fim do poema eu escrevi um elogio de incentivo para ela. Então ela começou a s
oluçar baixinho, mal conseguiu balbuciar um “valeu cara”, e colocou seu rosto em meu peito. Enquanto minha camiseta absorvia algumas de suas lágrimas, eu sentia o perfume que evolava de seus cabelos. O que eu poderia dizer nesse momento ? Achei melhor ficar em silêncio. As vezes as palavras podem estragar a poesia de um momento inesquecível. Logo ela levantou o rosto e limpou as lágrimas com suas mãos delicadas. Um sorriso inesquecível figurava em seu rosto.

- Vamos dar um passeio Tadeu !!!

- Claro !

Ela pegou em meu braço de maneira impulsiva e levantamos. Já havia escurecido.

Estava uma linda noite de verão, com direito a lua cheia...

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