quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Faminta entre o banquete

Eu estava deitado no sofá assistindo TV. Sentia muito calor e por isso me encontrava sem camisa. Era 15 de setembro de 94, quinta-feira, 19 horas, quando a campainha tocou. Levantei do meu divã improvisado e deixei sozinho o homem que falava as notícias do Brasil, na televisão, e fui atender a porta. Quando o foco da minha visão se acostumou com a penumbra da rua, meu coração saiu do compasso, pois ela estava ali. Nunca a vira tão linda até então pois era a primeira vez, depois de vários anos que nos conhecíamos, que eu a via de vestido. Ela sempre fora uma moça moderna, de calça jeans justa, camiseta e tênis. Quando a observei dentro daqueles tecidos leves e floridos tive a sensação de uma visão celestial. Essa imagem ficou gravada na chapa da memória para sempre.

- Tudo bom Regina ?

- Tudo ! Acho que arranjei emprego e começo na segunda !

- Que bom !

- Eu escrevi isso. Leia e depois a gente conversa !

No momento em que ela me entregou a folha de caderno, que estava dobrada ao meio, eu tentei convencê-la a entrar mas ela se esquivou, apontando com a mão para a mochila que estava em suas costas e dizendo que estava atrasada para a faculdade. Achei que era uma oportunidade de abrir meu coração... única vez que eu recordava que ela se encontrava sem namorar com algum estouvado mas ela foi irredutível e se foi, apressada. Em pé, ali mesmo na garagem de casa, abri a folha e li quatro vezes o texto escrito por mão canhota com caneta esferográfica azul:


"Já é tarde e estou sozinha
não tenho você,
não tenho ninguém.
Tenho a solidão toda minha
e isso me faz diferente, me faz única.
Faminta entre o banquete,
sedenta frente ao mar, andarilha.

Procure algo que me cure,
um antídoto contra meu próprio mal.
Tudo parece distante, parece difícil.

Talvez se um anjo caísse do céu
e me envolvesse em sua inocência
pudesse tentar acreditar de novo.
Acreditar que um dia tive o "tudo".

Talvez se simplesmente você viesse
e me envolvesse em sua realidade
pudesse tentar acreditar,
acreditar em tudo que existe,
acreditar que posso seguir bem,
mas já é tarde e estou sozinha."


Quando retornei para a sala voltei a me deitar mas não conseguia me concentrar no noticiário, então achei melhor me recolher ao meu quarto mas não conseguia conciliar no sono. Ficava tentando imaginar mil maneiras de dizer o quanto eu a amava e isso me deixava agitado. No meio da madrugada consegui repousar.

Foi exatamente uma semana tentando conversar sobre o que ela havia escrito naquela singela folha de papel mas... tudo em vão, ela sempre se esquivava. Também foi exatamente uma semana depois que eu soube que ela estava namorando com uma pessoa que tinha quase o dobro da idade dela... "Depois a gente conversa" foi o que ela disse. Estou esperando essa conversa até hoje... kkk...

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