"Domingo. É inicio de noite... verão. Um homem prepara um "bauru" no fogão de sua modesta cozinha, de uma casa não menos modesta. Uma criança de aproximados 7 anos o observa e percebe que ele está com pressa, pois o som que vem da sala indica que um clássico do futebol está prestes a começar. Ao terminar o lanche, o coloca em um prato raso de vidro, o parte em dois com uma faca e pega uma lata de cerveja na geladeira. Seguindo para a sala apressado, oferece metade do lanche ao filho, que parece não estar com fome, já que não se interessa pelo alimento. Agora o homem já está sentado confortavelmente no velho sofá e o menino está em pé, olhando para a tela iluminada. A luz está apagada. A claridade da TV iluminando o rosto dos dois personagens dá um aspecto sobrenatural... nostálgico. O menino olha com indiferença para a tela que exibe os jogadores em movimento atrás da bola. O pai olha para o filho de soslaio e fica intimamente feliz por ele começar a se interessar por seu esporte predileto... Ah se ele soubesse o que se passava pela cabeça do garoto ele decepcionaria-se... O rapaz está hipnotizado pelo brilho da tela mas não está nem de longe interessado no jogo. Seu pensamento voa longe... longe... mas algo acontece durante a partida que realmente desperta sua atenção: acontece uma espécie de tumulto e um homem que parece ser o líder levanta um cartão da cor amarela e anota o nome do jogador. Aparentemente o garoto está interessado no jogo mas seus pensamentos não são tão esportivos. Ele pensa:
" - Quando um homem briga ele ganha um cartãozinho amarelo com seu nome. Bom, devem haver uns vinte jogadores, então devem haver vinte cartões! Mas como todos esses cartões cabem no bolso desse homem vestido de preto?"
O jogo prossegue e, diante de outro tumulto, o homem para o jogo e levanta um cartão vermelho. Um jogador sai do campo. Agora o menino nem mais pisca...
" - Esse vai ser um bom corintiano!" (pensa o pai)
" - Se são vinte jogadores e o chefe tem vinte cartões amarelos, um para cada jogador, ele deve ter também vinte cartões vermelhos, uma para cada também... mas como podem caber todos aqueles cartões em um bolso tão pequeno de sua camiseta???" (pensa o garoto)
Como o jogo prosseguiu e não houveram mais cartões coloridos, o garoto se desinteressou pelo assunto. Logo chegou sua mãe e seu irmão menor que tinham ido visitar um parente. Algum tempo depois todos estavam reunidos na sala assistindo um tipo de jornal que passava nos domingos a noite. Uma repostagem sobre a morte despertou a curiosidade do garoto. Nela dizia-se que a última fronteira do homem era a morte, já que ele havia desvendado todos mistérios da terra e do espaço. O garoto pensa "nossa, quer dizer que nunca ninguém voltou da morte para nos contar o que acontece?" Ele tentava imaginar o que poderia haver do outro lado mas tudo parece negro. Ele não conseguia ultrapassar esse véu para saber do desconhecido. Pensou tanto que até cansou. Sua mãe o acorda do devaneio e lhe pede para ir tomar banho pois no dia seguinte ele iria na escola logo cedo. Durante o banho o menino pensa e tenta achar uma solução para a última matéria que ele viu na TV, que dizia que as pessoas que moram no campo vivem mais que as pessoas que vivem nas cidades. Como ele não sabia sobre o nervosismo e sobre a poluição que existem na cidade, que diminuem a expectativa da vida, ele formulou uma teoria sobre o porque das pessoas da metrópole viverem menos do que as pessoas do campo:
" - Acredito que, a partir do momento que alguém nasce, essa pessoa deixa atrás de si uma linha invisível. As pessoas vão se enroscando nas linhas umas das outras e vão se sufocando... vão cada vez andando mais devagar... no campo, como existem poucas pessoas, existem poucas linhas e as pessoas vivem mais tempo por causa disso. Na cidade é o inverso."
Sua mãe o chama em voz alta, já um pouco irritada:
" - Filho, você tem que sair do banho! Está gastando muita energia!"
Agora o garoto está em sua cama mas já estava cansado de inventar teorias. Ele começou a lembrar de como foi divertido brincar com as crianças no sábado e domingo. Ah, ele não via a hora de poder novamente andar de carrinho de rolemã, jogar bolinha de gude e brincar de tudo mais que as crianças inventassem. Com esses pensamentos ele acabou dormindo na esperança de logo poder continuar as suas brincadeiras no outro dia..."
"EU"
=)
Texto e desenho: Cláudio Tadeu Cavallote
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