domingo, 20 de fevereiro de 2011

Carpe Diem

Ele estava trabalhando. Quem o olhasse por fora não poderia imaginar o tumulto que ocorria em seu interior. Ele decidiu, a despeito da dor, assim mesmo honrar todas suas obrigações profissionais. Já estava quase na hora de ir embora mesmo, ele pensou. Em determinado momento, a dor foi tão intensa que ele pediu licença aos colegas e se escondeu no porão da empresa, numa sala onde ninguém o poderia encontrar. No caminho, pegou um pedaço de papelão. Entrou na sala e se trancou. Colocou o papelão no chão, ajoelhou sobre o mesmo e começou a dizer mentalmente uma prece... não uma prece decorada, mas aquela prece que vem direto do coração, como fruto do desespero de um ser. Ele abria seu coração ao Criador pelas suas palavras articuladas pela mente. Todo desespero, solidão e decepção estavam impressos em cada vocábulo. Ajuda, ajuda... ele pedia mentalmente... força para superar aquele desafio. As lágrimas caíam com tanta intensidade que toda sua face estava molhada... gotas se encontrando no queixo e caindo... caindo sem parar... Ah, se ele pudesse ver seu rosto naquele momento ! Era a materialização do mais puro desespero. Me envie um emissário da luz, meu Deus, que possa me ajudar, ele dizia mentalmente. Durante algum tempo nada ocorreu. Alguns instantes depois, uma pequena nuvem começou a se formar diante dele. Ele assustou-se pois viu a nuvem surgir enquanto ainda estava com os olhos fechados... e ele pode vê-la mesmo assim. Esse choque fez cessarem as lágrimas. Essa nuvem rapidamente tomou forma de uma pessoa... uma mulher. Ela vestia uma túnica branca, com reflexos azulados. Cabelos cor de mel emolduravam um rosto perfeito, com olhos castanhos confiáveis e amigáveis. Leve sorriso estampado no rosto. Sem dizer uma palavra, ela estendeu a mão direita na direção da cabeça dele e o tocou de leve na testa com o dedo indicador. Nesse instante seu espirito se separou do corpo que estava ajoelhado. Ela fez um gesto com a mão e o corpo obedeceu automaticamente, deitando cuidadosamente no papelão. Ele, em espirito, ficou diante dela sem saber o que dizer. Ela tomou a iniciativa:

- Pense em um lugar bom prá conversar !

Imediatamente ele lembrou daquela praia... na ilha, em cima daquela enorme rocha, onde tinha uma visão privilegiada do mar. Foi só pensar e lá apareceram os dois, na velocidade do pensamento. Ficaram sentados na rocha contemplando o mar e as estrelas que começavam a aparecer. Silêncio. Não há como olhar o mar sem pensar em um Criador. Finalmente ele articulou a palavra:

- Qual é seu nome ?

- Pode me chamar de... Cristina.

- Você já sabe tudo que se passa comigo, né Cristina ?

- Eu sei meu amigo, mas é importante que você fale.

- Eu gostaria de saber... Cristina... porque é tão difícil um homem e uma mulher ficarem juntos. Porque tantos namoros e casamentos acabam por coisas tão fúteis ? Porque tantas traições, mal entendidos, intolerância, desamor ?

De onde eles estavam, podiam ouvir as ondas do mar quebrando na praia... uma brisa cálida e revigorante soprava calmamente. Então a emissária da luz olhou para ele com infinito carinho e amizade, antes de responder:

- Vivemos em um planeta ainda primário, meu amigo ! As pessoas ainda são muito atrasadas sobre esse aspecto intitulado "amor". Há muita confusão a respeito de sexo e amor. Aos poucos as pessoas começarão a entender que o sexo é um complemento do amor, não o contrário, como a maioria acha. O sexo, a medida que os séculos avançarem, também está fadado a evoluir, segundo as diretrizes da marcha evolutiva de todas as coisas, conforme o desejo do Criador Incriado. O sexo equilibrado, sem os excessos cometidos pela maioria, é um presente que Deus dá aos humanos. Uma fonte de prazer e mecanismo de confecção de novos corpos para as gerações vindouras...

Ficaram em silêncio novamente. Naquela cálida noite sem lua, as estrelas brilhavam com mais intensidade. Um farol de um navio lampejava no horizonte. Um grupo de jovens brincava de bola sob a luz de holofotes de mercurio, que iluminavam o campo improvisado na areia cinzenta. Ele quebrou o silêncio:

- Sabe Cristina, desde criança, esse assunto sobre sexo me intriga. Gostaria de saber a origem dessa fascinação...

Ele olhou para a emissária da luz mas notou, surpreso, que ela já não mostrava a mesma serenidade de antes. Lhe pareceu que ela não estava preparada prá responder aquela questão. Seu ingênuo comentário fez Cristina retroceder no tempo... na origem daquele problema... Ela olhou para o céu como a pedir inspiração. Ficou em pé e começou a fazer um prece silenciosa. Um halo lentamente se formou em volta de sua cabeça. Ela estendeu as delicadas mãos, como se fosse redeber alguma coisa. Lentamente se materializou um pergaminho sobre suas mãos, que ela pegou com cuidado. Abriu os olhos e entregou o pergaminho para ele. Ao desenrolar o pergaminho, ele notou que sobre o papel estava escrito algo com ideogramas egípcios. Eles eram familiares e estranhos ao mesmo tempo. Cristina começou a traduzir prá ele:

"Eu estava com minha família, irmãos...
Andávamos entre vendedores, mercadores...
Eu era uma criança, ou quase criança...
Os odores e as novidades, as cores, os gritos
enfim, a agitação toda me fascinava...
Quando eu te vi...
me deu uma espécie de febre
e o coração ficou descompassado;
era como se algo trincasse dentro de mim.
Será que você sentiu também,
como se um raio cortasse o ar
quando nos olhamos ?
Agora não tenho paz, cadê minha paz ?
Cadê minha infância ?
Onde estão os passeios lúdicos ?
Não me alimento e não durmo bem
a sete dias e sete noites.
Será que isso é o que chamam de amor ?
Mas ele me faz sofrer tanto
e não é tão bonito quanto me disseram.
Ele me sufoca, ele me persegue,
até nos sonhos !
Será isso amor ou sofrimento ?

Enquanto ela lia, diversas imagens em sequência desordenada invadiam a mente dele. Ele viu um machado que decaptava dezenas de mãos, que caiam em um cesto... viu moças sendo atiradas aos crocodilos... uma delas o amaldiçoou por toda a eternidade, antes de ser engolida pelo feroz réptil... ele viu uma rosa... uma rosa de um vermelho tão intenso que ele nunca vira antes... um perfume inexplicável evolava daquela flôr... na visão, ele entregava a rosa para uma linda egipcia... mas aquele olhar... aquela maldição... o perseguiu por séculos... No fim do texto, as imagens cessaram finalmente. Cristina esclareceu:

- Fui eu que escrevi essas palavras, a primeira vez que te vi aqui na Terra. Isso foi há 2500 anos, no egito. Você me conquistou com uma rosa... mas não tinha a intenção do enamorado... tinha o intento do chacal diante da presa... eu fui a primeira desvirtuada de muitas... a última vez que nos encontramos na carne foi na China, onde os primeiros resquícios de remorso o impulsionaram na diração da regeneração...

Ele lembrou dos sonhos... sim... dos malditos sonhos que o perseguiam... porque eles desapareceram ? Ela captou a pergunta inarticulada pela boca:

- Não existe acaso ! Se os sonhos cessaram, você já está na iminência de começar a entender o sentido do amor e a missão de dois seres que se unem por amor. Não chore mais pois o melhor ainda está por vir !

Nesse momento ela olhou para o céu, como se tivesse recebido algum tipo de chamado, e disse:

- Meu tempo acabou meu amigo. Tenho que ir !

Eu lhe entreguei o pergaminho, que ela guardou com carinho em uma delicada fita que envolvia sua túnica a altura da cintura. Antes dela desaparecer, ela disse, de olhos úmidos:

- Amo-te !!!

Ele acordou naquele porão empoeirado e duas coisas o deixaram surpreso: só haviam passado alguns minutos no seu relógio e a tristeza havia desaparecido por completo. Saindo do local, tomou banho, se trocou e foi pegar o ônibus. Resolveu passar na cidade prá tomar uma vitamina e pensar na visão, que ele guardou na mente de maneira integral... Enquanto ele tomava a vitamina na lanchonete, notou que uma mulher oferecia rosas para os fregueses que estavam no estabelecimento comprarem. A mulher decidiu ir embora mas, no momento que estava para transpor o limiar da lanchonete com a rua, deu meia volta e se dirigiu a mesa dele. Sem dizer uma única palavra, ela pegou uma rosa vermelha, entregou a ele e saiu rapidamente, sem mesmo dar chance prá ele ter alguma reação. Ele olhou a linda rosa. Pegou com cuidado e a cheirou. A fragrância era a mesma daquela rosa vermelha da visão ! Ele ficou emocionado... alegre... revigorado... Pagou a vitamina e saiu mas, depois de dar alguns passos, parou pois uma seqüencia de palavras surgiu em sua mente, como se algum ser invisível tivesse derramado um cântaro de idéias direto na sua mente. Ele voltou na loja e pediu caneta e papel:

Amor

"O nascer do Sol
é uma metáfora do Criador
que simboliza a esperança
de dias e experiências melhores.

O brilho dos astros
é um símbolo
da luz vencendo a obscuridade,
pois, por mais que haja escuridão
basta uma única estrela
para sobressair diante das trevas.

As partículas sub-atômicas
e as super-galáxias
são atestados
ainda incompreensíveis

que ainda estamos muito longe
de compreender o mundo...
de compreender a vida...

Todos seres do globo
são provas vivas de que existe
uma inteligência maior
que preside e acompanha
desde o cair de uma folha
até a criação
de novos sistemas planetários.

O amor...
...e o Amor ?

O Amor
é o maior
de todos os símbolos
de nossa evolução."

Ele agradeceu a moça do caixa por emprestar a caneta e o papel. Dobrou o rascunho e colocou no bolso. Quando pisou na calçada, disse sorrindo, prá si mesmo:

- Carpe Diem !!!

=)

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