Na Subestação de força, onde trabalhei, na Eletropaulo, apareciam muitos animais. Já vi muitos serem envenenados ou abandonados em bairros distantes, por ordem da nossa chefia. Sempre chegavam novos cachorros e gatos que tinham trágicos destinos. Devido a um esforço de uns poucos interessados no assunto, conseguimos convencer a nossa chefia a manter a nossa cachorrinha preferida, já que havíamos pagado para um veterinário a castrar. Havia, também, uma enorme gata malhada que sempre conseguia escapar de seus perseguidores. Estava em nossos planos castrá-la também, pois ela vivia prenha. Mas... tarde demais... outro cio veio e a danada ficou grávida novamente... Agora todos queriam a matar. Mas, mesmo assim, ela conseguiu driblar seus inimigos e teve seus três filhotes. Eles eram lindíssimos ! Um deles era preto como asa de corvo e tinha um olhar difícil de encarar. Certa tarde, um operador deixou na mesa da cozinha 400 gramas de mortadela, que ele usaria prá fazer os lanches do café da manhã. Quando ele voltou a cozinha, ficou furioso ao notar que um dos gatos havia comido metade das mortadelas. Três dias depois, eu estava trabalhando no porão da Subestação, quando senti um cheiro horrível de coisa em decomposição... logo fui encontrando todos os gatos mortos, por envenenamento. Confesso que chorei quando vi a nossa gata malhada toda suja e vomitada, pois ela estava torcida e virada como se tivesse sofrido muito. Coloquei mãe e filhos em um saco e os enterrei. Ninguém queria fazer isso mas achei que pelo menos na morte eles deveriam ter um pouco de paz. Mas... que estranho... eram três filhotes mas eu não conseguia encontrar o corpo do terceiro, que era uma fêmea. Depois que os enterrei, comecei a ouvir um miado fraco, que vinha de fora. A filhotinha que era preta e branca não havia morrido e chorava em um depósito próximo. A encontrei muito assustada. Na sua frente havia uma latinha com água e uma asa de frango. Pensei que a intenção de quem colocou aqueles alimentos ali foi boa mas a gatinha nem havia desmamado, ela não tinha condições ainda de comer sólidos.
Ela era minúscula... cabia na palma da minha mão. Avisei a turma que eu iria MATAR quem matasse aquela gata pois ela era minha. Comprei um sonífero para que eu pudesse a levar dormindo no "Pássaro Marron" que iria me levar de Guarulhos a Mogi. Na verdade eu estava rezando prá que algum amigo se sensibilizasse e me desse uma carona até Mogi, só aquele dia, mas ninguém estava interessado. Alguém ainda acrescentou que eu estava procurando sarna prá coçar. Dopei a coitada no final do expediente e a coloquei numa caixinha para que eu a pudesse levar prá casa. Ela se adaptou bem no meu apartamento. Quando surgiu uma oportunidade, a levei em uma veterinária. A médica a tratou com um carinho cativante e disse que ela estava desnutrida e com vermes. Passou medicamentos e pediu prá que eu assinasse uma folha. Na folha havia uma parte que dizia assim:
Raça: SRD. Na minha santa ingenuidade, eu fiquei pensando que minha gata tinha raça... "
que legal, a raça dela é SRD ! E eu que pensava que ela era tomba-lata !
- O que quer dizer SRD doutora ? - Quer dizer Sem Raça Definida !Ela cresceu e virou uma enorme e linda gata preta e branca. Na época eu era casado e minha esposa queria chamá-la de Loly ou algum outro nome estrangeiro. Eu disse que ela tinha cara de Chica e sugeri que a chamássemos de Chiquinha e todos concordaram. Quando a Chiquinha atingiu a fase adulta ela começou a ter mudanças de comportamento terríveis e, nas piores fases, ameaçava pular do 6º andar do nosso prédio. O veterinário recomendou a castração. Com a separação que aconteceu entre eu e minha esposa, nós tivemos que entregar o apartamento que ainda não estava pago e a Chiquinha ficou sem teto, pois eu voltei para a casa de meus pais mas meu pai era alérgico a pêlos de animais. Só Deus sabe quantos "nãos" eu ouvi até aparecer um "sim" favorável a cuidar dela. Eu me comprometi a levar ração prá ela enquanto ela estivesse viva. Agora a Chiquinha estava morando em um sítio ! Um dia, uma das filhas do meu amigo que se comprometeu a cuidar da Chiquinha, me ligou e disse que a ração estava acabando. Eu comprei um pacote grande de ração e fui lá no sítio entregar. A Chiquinha sempre lembrava de mim e chorava na minha chegada e na minha saída. A menina me disse:
- Tio, a Chiquinha é vegetariana !- Como assim ???- Ela caça passarinhos, traz em sua boca e nos entrega sem um arranhão !!!Hoje a Chiquinha é uma gata velha mas continua muito bonita, com o pelo brilhante e bem cuidado. Eu a vejo regularmente e ela tem um sítio inteiro a sua disposição...
Ah, ela continua vegetariana...
"Os gatos tem um jeitode caminhar em minha almacomo se minha alma fosseum tapete encantado,um tapete de luaou uma pontesobre um rio dourado.Lua lua luaLuna, minha gata persa,tem cor de neblinae olhos de caramelo,que me embalam,que me embrulham,que me enrolamcomo papel celofane.É peluda e gulosa,come-come e ronrona,e se estica e se espreguiça,enquanto passeia a língua rosaem cada recanto do corpo."Roseana Murray Obs.: A primeira imagem é da internet mas a segunda é a Chiquinha.